O QUE A ONG FAZ...

"Um novo modo de pensar, para uma nova maneira de agir." É com esse lema que nós buscamos levar educação em direitos humanos, política e cidadania para todos que queiram discutir tais conceitos, acreditando que a partir da reflexão e discussão dos temas de interesse geral do cidadão, cada um tem a capacidade em si de transformar sua realidade.

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A Sociedade vai à Escola

A sociedade vai à escola

Com a assumida carência do Estado brasileiro para atender às demandas educacionais do país, organizações do terceiro setor são cada vez mais presentes. Ao ocupar espaços, trazem para a escola as tensões de visões políticas e educacionais divergentes

Fabiano Curi

Uma das marcas mais importantes do final da ditadura militar no Brasil foi o fortalecimento de instituições da sociedade civil, nascidas fora do guarda-chuva do Estado. Nos anos que nos separam da filosofia de quartel, indivíduos se organizaram em grupos, comunidades e associações das mais distintas naturezas para mudar e tentar melhorar o entorno por conta própria, sem esperar pela onipresença benevolente do Estado. Assim, proliferaram e popularizaram-se as Organizações Não Governamentais (ONGs), que deixaram de lado o caráter puramente assistencialista das ações de suas predecessoras para assumir posturas mais ativas na elaboração de projetos de intervenção social e na pressão por definições de políticas públicas junto às esferas governamentais.

Um dos setores que mais absorveram as ONGs foi o de educação. A evidente e ampla carência estrutural (física e humana) que caracteriza a educação brasileira, aliada à cada vez mais arraigada visão de que se trata de setor estratégico tanto para a melhoria de vida dos cidadãos como para o crescimento do país, acabou fazendo com que esse fosse um dos principais focos de atuação do 3º setor, para o qual se volta com arco bastante amplo e heterogêneo de trabalhos em escolas e comunidades.Se têm inegável importância para enfrentar carências e ausências diversas na educação brasileira - importância esta aumentada pela agilidade nas ações e pelo acesso a comunidades em que o Estado tem dificuldade de estar presente - esses projetos muitas vezes resultam em fragmentação das práticas educativas, desperdício de energia e de dinheiro com resultados inócuos e difíceis de mensurar.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com o Grupo de Institutos Fundações e empresas (Gife) e com a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), existiam 338,2 mil Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos em 2005 no país, a maior parte criada na década de 1990. Quase um quarto dessas entidades é de caráter religioso. Têm destaque também associações patronais e de trabalhadores e de defesa de direitos os mais diversos. Contudo, se combinarmos aquelas que têm como motivo a educação com as que promovem a cultura, o resultado será de 20% das ONGs existentes no Brasil.

Hora de consolidação

As ONGs enfrentam agora uma nova etapa de seu desenvolvimento: a consolidação como instituições profissionais, estruturadas e importantes agentes para a educação brasileira. Para Ana Lúcia Jansen de Mello de Santana, professora de economia e coordenadora do núcleo interdisciplinar de estudos sobre o terceiro setor da Universidade Federal do Paraná, "ninguém vai substituir a função do Estado", mas pode complementar sua ação, pois o Estado não consegue chegar a todos os pontos do país, e menos ainda de forma equitativa.
"As organizações do 3º setor, por terem muita autonomia, são extremamente inovadoras nas áreas em que atuam", defende Luiz Carlos Merege, professor durante 15 anos do curso de administração no 3º setor da FGV-SP e atualmente presidente do Instituto de Administração para o Terceiro Setor (Iats). "As ONGs conseguem passar pelo engessamento da escola pública."
Ana Lúcia comenta que elas atuam fazendo reforço escolar, capacitação de docentes, por exemplo. "É o que deve caber às organizações, pois elas têm essa capilaridade, estão muito próximas desses atores de educação, municipal, estadual e organizações sociais", explica. "E elas podem e devem fazer experimentações e é, a partir daí, que sai a inovação."Mas a questão parece ser mais ampla e complexa, pois os modos de atuar não se restringem a esse tipo de intervenção. Há, por exemplo, instituições que preferem direcionar trabalhar fora do âmbito diretamente pedagógico, focando questões mais estruturais ou de políticas públicas, como é o caso, por exemplo, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Mesmo entre as duas entidades que se associaram ao Inep para fazer a radiografia do setor em 2005 - Abong e Gife - há diferenças claras em termos de vertentes de atuação, concepção e destino dos projetos. Com cerca de 270 entidades associadas, das quais 47% com atuação na área educacional (dados de 2004), a Abong reúne, em sua maioria, ONGs nascidas de movimentos sociais ou que com eles trabalham de forma articulada. Já o Gife tem 112 associados, 106 deles com ações na esfera educacional. A instituição é originária da associação de empresas que tinham ações, em sua maioria, filantrópicas, e buscavam meios de melhorar indicadores do país, entre eles a oferta de mão de obra qualificada. Como se pode intuir, nem sempre as visões sobre educação de instituições com essas diferentes origens são coincidentes, quando não são frontalmente divergentes.

ONGs conseguem passar pelo engessamento da escola pública, diz Merege, da FGV-SP

Capilaridade X organicidade

Se por um lado essa capilaridade do setor é importante num país com as dimensões do Brasil, com realidades contrastantes entre grandes cidades urbanizadas, campos ricos e pobres e comunidades que vivem distantes das instituições da vida contemporânea, por outro, o excesso de ramificações dificulta sobremaneira a organização de redes de atuação e uma visão mais orgânica da educação.

Na opinião de Elie Ghanem, da Faculdade de Educação da USP, um aspecto dessa fragmentação vem da própria concepção da definição da política pública na área educacional. "É no nível da articulação da política que a coisa poderia ser conjugada", afirma. Para o pesquisador, a própria atuação das escolas é fragmentada. É um problema que deve ser enfrentado por escolas e ONGs. Contudo, diz Ghanem, "são poucas as ONGs que compreendem a importância simultânea de tematizar a política pública e de realizar um serviço educacional".

O papel do Estado

Há uma corrente crítica que condena o Estado brasileiro, independentemente da esfera de governo, por simplesmente terceirizar o que seria sua função na sociedade. Ou seja, se não há condições adequadas de ensino nas escolas públicas, joga-se o abacaxi para uma ONG bem-intencionada descascar e tudo fica por isso mesmo. Na concepção de Sérgio Haddad, presidente da ONG Ação Educativa, o motivo é bastante óbvio: "O setor público trabalha com uma grande carência e existem organizações interessadas em fazer trabalhos. Há aí uma confluência de interesses".

De qualquer forma, por mais que as ONGs sejam importantes num projeto de desenvolvimento da educação brasileira, não é possível eximir o Estado de seus compromissos. De acordo com Luciano Junqueira, professor do Núcleo de Estudos Avançados do Terceiro Setor da PUC-SP, "educação e saúde são as áreas que mais têm crescido em função do Estado, que tem buscado parcerias para com ele colaborar direta ou indiretamente. No fundo, o Estado é responsável pelas políticas".

O papel da ONG, diz Junqueira, é de colaboração. Elas não devem estar a serviço dos órgãos escolares e nem devem ter os órgãos escolares a seu serviço. Opinião corroborada por Ana Lúcia, da UFPR, para quem a educação deve ser uma função não exclusiva do Estado, mas ela deve ser uma política pública. "Política pública de Estado, não de governo. É consenso que a educação faz a diferença para a sociedade. Nesse cenário, as ONGs são aliadas, com um papel complementar, ou suplementar, das políticas públicas."

Ghanem, da USP: o grande debate é o desenvolvimento de políticas públicas mais abrangentes. Um outro problema mencionado pelo professor é que, "pelos valores que envolvem os projetos, a iniciativa privada não vai bancar. O Estado é o principal financiador. A iniciativa privada funciona como parceira para agilizar o atendimento".

Fernando Rossetti, diretor do Gife, reclama que o Estado brasileiro gere muito mal as políticas públicas. "Muitos de nossos associados trabalham em apoio ao Estado". Essa, aliás é uma crítica constante, o Estado muitas vezes quer parceria das ONGs, mas não sabe lidar com elas. Haddad ironiza essa relação: "O governo gosta muito de ONGs que lhes ofereçam serviços gratuitos, principalmente nas funções que deveriam ser suas, mas não gosta daquelas que fazem pressão".
Apesar de verdadeira, a assertiva não contempla um outro lado da questão: como se decide o destino de verbas da educação que vão para instituições as mais diversas sem passar por processos licitatórios? Muitas vezes, sob a alegação de que os trâmites burocráticos impedem a agilidade das ações, se encontra a escusa para a adoção de processos pouco transparentes, questão que precisa ser mais discutida para que se achem mecanismos que equilibrem os dois aspectos.

A força do cidadão

O processo de democratização brasileiro dialogou de perto com a presença de instituições da sociedade civil, entre elas as ONGs, que se destacam na mobilização de pessoas. "Houve momentos em que ONGs propuseram e o Estado implantou as políticas públicas. A participação social do cidadão é uma contingência para ser agente ativo e não passivo da transformação; também leva a um maior controle social", diz Vera Lúcia.

Para Merege, as ONGs vivem um terceiro ciclo no Brasil. O primeiro foi a conceituação da identidade; o segundo, o da visibilidade; neste último há um avanço em termos de estruturação em rede e articulação política, que deságua numa força de representação e influência maiores.
Merege calca sua assertiva nos dados que dão conta de uma participação do 3º setor em 2% do PIB brasileiro. O número ainda é pequeno perto da média de 6% de países com algum grau de semelhança com o Brasil e quase insignificante se comparado aos 13% registrados nos Estados Unidos.

Luciano Junqueira salienta que um problema bastante comum é a visão de que as organizações sociais têm de seguir um modelo de administração semelhante ao das empresas privadas. "A racionalidade do privado é a apropriação individual do produto. No caso da ONG, é a apropriação coletiva."

Efeitos

Ao refletir sobre o resultado do trabalho das ONGs, Rossetti, do Gife, crê que o fato de a sociedade civil se organizar e promover o que chama de "uma educação de mais qualidade", um dos efeitos desse envolvimento é mais estabilidade nas políticas públicas de educação. "As ONGs têm perspectivas, normalmente, de trabalhos de longo prazo e isso é um lastro para mais continuidade nos processos educativos. Muitos dos investidores trabalham com tecnologia social, desenvolvem uma metodologia em poucas escolas, um material, um processo de formação de professores ou de gestão e, quando essa metodologia está sistematizada, trabalham junto ao Estado na aplicação dessa metodologia em larga escala".

Mas, na grande maioria dos casos, os resultados dos projetos não são mensurados. Ou, como reconhece o próprio Rossetti, por se tratar de um fenômeno complexo como a educação, é difícil dizer o que se deve à ação, o que é externo a ela. Além disso, a escola acaba sendo receptáculo de tudo aquilo que as diversas forças sociais creem que seja imprescindível do ponto de vista da formação.

"Joga-se para a escola uma série de atribuições e expectativas sociais, ao mesmo tempo que ela fica à mercê de forças poderosas, ditadas pelo mercado ou pelos embates políticos do campo social, que fazem com que essas tensões ocorram no interior da escola", pontua Roseli Fischman, da Faculdade de Educação da USP. Para ela, esse embate faz com que a escola absorva uma série de conteúdos exógenos, que não ajudam o processo de aprendizagem do estudante.

Sobreposição de ações

A falta de controle do Estado na adoção de políticas que contemplem um trabalho mais racional das ONGs, além da já citada terceirização, têm acarretado um excesso de entidades atuando de forma desordenada dentro do ambiente escolar.

No entendimento de Ana Lúcia, da UFPR, é importante trazer para o seu projeto a demanda da comunidade na qual se pretende atuar. "Não dá para chegar com um projeto bem acabado, mas inapropriado para aquela realidade, que não foi construído ali e, por isso, tende a não prosperar." Esse argumento se assemelha à crítica de Marcos Dantas, autor de A lógica do capital-informação e professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que separa o modelo da realidade. Segundo essa tese, uma das principais causas de fracassos na implementação de modelos de trabalho de empresas estrangeiras em outros países é negligenciar a cultura e os apelos locais em favor de um modelo "correto" e inatacável que já deu certo na matriz. Em outras palavras, quando a realidade não se encaixa no projeto, a culpa é da realidade.Ana Lúcia lembra também que é importante comprometer os professores e a direção da escola com o projeto, pois eles serão seus agentes. "Do contrário as ONGs acabam assumindo aquilo que é função da escola."

Mercado de trabalho

Há uma concordância quase que geral de que o 3º setor ainda tem muito espaço para crescer nos próximos anos em quase todas as áreas e predominantemente na educação. Contudo, ainda é enorme a procura por profissionais qualificados para todas as ocupações. "O Brasil é uma potência econômica, mas tem gravíssimos problemas sociais. Quando qualquer organização na área de educação abre uma creche, por exemplo, a demanda é enorme", diz Merege.
Ana Lúcia acrescenta outra questão: nada pode ser feito se não houver recursos previamente destinados para sua execução. "Recursos financeiros, materiais, tecnológicos, humanos são investimentos. É preciso buscar as fontes desses investimentos", explica.

O número de novos profissionais que atuam ou pretendem atuar no 3º setor vem aumentando. As próprias faculdades já perceberam isso, oferecendo cursos específicos para a formação de gestores nesse segmento. Luciano Junqueira, um dos responsáveis pelo Núcleo de Estudos Avançados do Terceiro Setor (Neats), da PUC-SP, afirma que os estudantes que ingressam em cursos voltados a esse tipo de formação provêm de diversas áreas, mas normalmente já se iniciaram na vida profissional, às vezes em outras carreiras. "Desde que montamos o núcleo, em 2007, o perfil do alunado se mantém praticamente o mesmo. São profissionais que vêm de organizações diversas: jovens engenheiros, advogados, economistas etc."

Rossetti percebe nas empresas afiliadas ao Gife uma consolidação de seus departamentos que investem na área social, principalmente em educação, o campo que mais absorve investimentos. "Para as empresas, os projetos sociais já fazem parte da cultura de relacionamento de sociedade, ou seja, não é a primeira coisa a ser cortada no momento de diminuição de riqueza."

Futuro dos atendidos

Uma marca de muitas ONGs que trabalham com educação é a tentativa de inserção no mercado de trabalho de alunos oriundos de regiões ou segmentos mais pobres. Contudo, aparentemente esse tipo de educação tem um resultado consideravelmente efêmero, pois muitas das ferramentas apresentadas a eles se tornam obsoletas ou simplesmente descartáveis de maneira extremamente rápida.

O currículo tradicional das escolas tem de conviver com demandas mercadológicas e acadêmicas que mudam de maneira cada vez mais dinâmica. Isso exige agilidade, que não costuma ser uma característica muito forte do Estado, mas as ONGs podem agir bem nesse aspecto, desde que integradas com as políticas públicas e com as necessidades sociais.
Fernando Rossetti considera que hoje tem de se pensar de forma diferente a parte de matemática, português e ciências. "É de fato muito importante e é tradicionalmente o conteúdo escolar. Se você olhar como a elite forma seus filhos, ela não forma só nesses conteúdos. A elite forma seus filhos em artes, esportes, informática, em uma série de habilidades e competências que são importantes para a inserção das pessoas na sociedade em geral e no trabalho, em particular." Além disso, para ele, "dentro dessa nova maneira e dessa nova complexidade de se formar o cidadão, a sociedade civil pode ter um papel importante, e as empresas também, nessa complementação dos estudos escolares".

Essa realidade da sociedade contemporânea acaba sendo um grande obstáculo para as ONGs, pois é comum que, mesmo com boa vontade, muitas delas fiquem presas às exigências mais imediatas do mercado de trabalho e ofereçam programas escolares pouco frutíferos na formação de um indivíduo que irá atuar em uma sociedade mais complexa.

Na avaliação de Elie Ghanem, se uma ONG cria um projeto profissionalizante, tem um aspecto positivo de integrar essa pessoa no mercado de trabalho, mas esse mercado tem de absorver e é preciso pensar na continuidade da formação da pessoa. "Oferecer um curso numa região muito pobre parece bom, mas é muito pouco em um cenário muito maior e mais grave. Essas iniciativas são incipientes e ineficientes, por isso o grande debate é o desenvolvimento de políticas."

http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=12843

Pobres Metáforas



A vida do pobre é metáfora de morte.
O seu emprego é metáfora de escravidão.
O seu salário é metáfora de esmola.
O seu patrão é metáfora de carrasco.
A policia é metáfora de bandido.
O político é metáfora de ladrão.
O governo é metáfora de desmando.
O ensino é metáfora de inépcia pedagógica.
A assistência medica é metáfora de atentado a saúde.
E o Brasil, de metáfora em metáfora,
Corre o risco de tornar-se
Um arremedo de país.

Neuci Gonçalves

"A educação é considerada um direito humano fundamental, considerada também uma obrigação do Estado" Vernor Muñoz Villalobos



O relator, Vernor Villalobos, da Organização das Nações Unidas para o direito à educação analisa os processos educacionais na América Latina e o envolvimento de governos e da sociedade na questão.

O seminário Pela Não Discriminação na Educação reuniu diversos especialistas em São Paulo, em agosto de 2009. Entre eles, o costarriquenho Vernor Muñoz Villalobos, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direito à educação, que veio ao Brasil a convite da Campanha Latinoamericana pelo Direito à Educação (Clade) – um movimento articulado pela sociedade civil de países da América Latina. Formado em filologia, direito, direitos humanos, filosofia e educação, Villalobos atua também como diretor do Departamento de Educação em Direitos Humanos na Defensoria da Costa Rica; é professor de direito civil na Universidade Latina da Costa Rica; e conselheiro de Educação em Direitos Humanos para organizações não governamentais e na Escola de Comunicação da Universidade da Costa Rica. Relator especial desde 2004, o entrevistado desta edição da Revista E falou, em conversa exclusiva, sobre a função que exerce para a ONU, sobre o papel e a qualidade das escolas públicas em diferentes países do mundo e sobre violência e discriminação. A seguir trechos.

No que consiste seu trabalho? O que é um relator especial para os direitos da educação?

Meu trabalho está inserido no funcionamento geral da Organização das Nações Unidas, um universo complexo de instituições, de órgãos intergovernamentais, de fundos... E um mecanismo muito conhecido relativo às convenções de direitos humanos é o que se chama de órgãos e tratados – como o do direito da criança à educação. É ele que cuida para que os direitos das crianças se cumpram. Ocorre que as Nações Unidas se deram conta de que esse mecanismo era um pouco fechado. Por isso foi idealizado outro sistema de proteção, o de procedimentos especiais, formado por um grupo de especialistas – independentes, não fazem parte das Nações Unidas – e que são encarregados de informar regularmente sobre o estado de organização dos direitos humanos. E é por essa razão que o Conselho de Direitos Humanos nomeia uma série de relatores especiais para diversos temas. E um deles diz respeito ao direito à educação.

O mandato do relator do direito à educação foi criado em 1998, pela antiga comissão de direitos humanos. A comissão foi substituída pelo Conselho de Direitos Humanos. Então, desde 1998, estamos trabalhando nesse mandato. Sou o segundo relator [desde 2004] e meu trabalho consiste fundamentalmente em informar ao Conselho de Direitos Humanos e à Assembleia Geral o que está acontecendo com a educação no mundo. Para isso, tenho que apresentar relatórios, tanto ao Conselho como à Assembleia Geral, e realizar visitas oficiais aos países. Essas visitas culminam com um relatório sobre o que está acontecendo em cada um desses países.

Você está no segundo mandato. Qual é a sua avaliação sobre a educação na América Latina durante esse período?

A história da América Latina é de assimetrias. A América Latina não é a região mais pobre do mundo – a África subsaariana é mais pobre –, mas ela é mais desigual. A distância entre os que têm pouco e os que têm muito é enorme. E esse contexto social e político se traduz também na educação. Ou seja, os processos educacionais na América Latina estão caracterizados em virtude de as populações terem sido historicamente discriminadas, por estarem fora da escola. Estamos falando dos pobres, dos indígenas, das pessoas com necessidades especiais, das meninas também... Ou seja, das pessoas que não tiveram oportunidade dentro do contexto social. Então, se há algo que caracteriza a educação na América Latina, é isso.

E você saberia dizer por quê? Historicamente, há alguma explicação?

A evolução da América Latina foi fundamentada no processo de colonização. Pessoas que vieram há 300, 400 anos para colonizar nossos povos desenvolveram uma visão de mundo feudal, baseada na crença de que havia pessoas com superioridade política e econômica em relação a outras. Além disso, os processos de colonização significaram a subjugação do mundo indígena. Por um lado, a eliminação de populações e, por outro, a assimilação desses indígenas ao modelo predominante. Então esse contexto colonial foi aumentando as assimetrias sociais, e o produto é um sistema educacional que reproduz isso.

Você acredita que hoje a educação na América Latina se tornou um bem caro para sociedade?

Até os anos de 1960, 1970, as bandeiras de educação eram muito ligadas às questões ideológicas, de esquerda. Você acredita que a sociedade assumiu isso como uma necessidade?
Creio que houve avanços muito importantes. Não podemos comparar as oportunidades educacionais que temos hoje em dia com aquelas de 60, 70 anos atrás. O aparecimento dos instrumentos dos direitos humanos marca definitivamente a trajetória da educação. Antes da existência desses instrumentos, antes da Declaração dos Direitos Humanos, a educação era concebida como um privilégio, que incluía algumas pessoas, não todas, e dependia da boa vontade dos governantes. Neste momento a educação é considerada um direito humano fundamental, considerada também uma obrigação do Estado. Os governos têm a obrigação de oferecer oportunidades de educação, e essas oportunidades se tornam um bem público, um bem social. Claro, há mentalidades que vêm de uma ideologia neoliberal e que consideram que educação é algo que custa muito. E esse tipo de mentalidade é que mantém fora das culturas educativas os pobres, as pessoas que não podem pagar pela educação, as que não têm oportunidades...

Falando da questão neoliberal, como você vê esse avanço do ensino privado na América Latina?

Há no Brasil quem questione a necessidade da existência de universidades públicas, achando importante que as universidades sejam todas privadas.
A educação também é uma liberdade. As pessoas têm a liberdade de escolher uma instituição educacional, há a liberdade dos pais e mães escolherem que tipo de educação querem para seus filhos. Mas existe uma obrigação do Estado, independentemente da liberdade das pessoas, de oferecer oportunidades educativas de qualidade para todos. Se a oferta educacional do Estado é boa, não há necessidade da educação privada. Vejamos os casos dos países europeus. Nos países nórdicos [que compõem uma região da Europa setentrional (ao norte) e formada por Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia] a educação privada é pequena. Porque a oferta educacional pública é excelente. A educação privada está reservada para os centros educativos com uma determinada orientação religiosa, centros educativos que têm uma certa projeção que o Estado não oferece, mas não é a regra. Temos países da América Latina, como a Guatemala, onde 80% da educação secundária é privada. São 80%! É verdade que o governo atual está fazendo um trabalho excelente, mas o que quero dizer é que as pessoas que não podem pagar [pela educação] não têm oportunidades educacionais. O sistema neoliberal tende, ou tem tendido, a reduzir a capacidade do Estado para atender os problemas sociais e, portanto, tem transferido essa responsabilidade do Estado para as famílias. E a consequência direta disso é a deterioração dos sistemas educacionais, a inversão educacional e a ausência da perspectiva da educação como um direito humano fundamental.

Você aborda muito a questão da discriminação. O que você observa sobre isso?

Meu trabalho é no esquema dos direitos humanos, da educação como um direito humano. E os direitos humanos têm três pilares fundamentais: a não discriminação, a igualdade e a justiça. Há muitos outros, mas esses são os fundamentais. O que tenho tentado mostrar é que existem processos históricos de discriminação e que evitam que grandes massas de população possam ter acesso à escola. Então, vivemos em um mundo em que há aproximadamente 100 milhões de meninos e meninas que não vão à escola. E quando queremos saber quem são esses 100 milhões, facilmente descobriremos que são indígenas, membros de minorias étnicas, gente pobre, mulheres principalmente, pessoas com necessidades especiais... Pessoas que estiveram historicamente discriminadas. Por isso meu mandato tem se focalizado na atenção às pessoas discriminadas, porque são elas que estão fora das oportunidades educacionais.

Em um dos seus informes, você defende que a educação, para quem está preso, sem liberdade, é um instrumento de melhoria, inclusive para quando sair da prisão. Gostaria que você falasse, primeiro, se essa é uma ideia que vem sendo praticada nos países que você observa e, segundo, qual é o conceito que embasa essa proposta.

Há uma grande contradição de base no tema da educação nas prisões. A contradição é que supostamente a prisão serve para reabilitar o delinquente, isso é o que dizem. Mas, na prática, o que sucede é exatamente o contrário. As pessoas não são reabilitadas e, além disso, quando saem da prisão, estão mais violentas, mais frustradas, mais destruídas moralmente, fisicamente. A prisão continua sendo um método de punição, um castigo, um método de segregação, um método de estigmatização. Então, quanto à primeira pergunta, sobre se a oferta de educação na prisão está servindo para algo: de alguma maneira, diz respeito à noção de pretender que as pessoas aprendam a viver em liberdade mediante a prisão. É algo assim como pretender que alguém aprenda a jogar futebol em um elevador. É um absurdo! Temos que pensar então em uma oferta educacional para as pessoas privadas de liberdade que realmente lhes sirva para conduzir a vida uma vez que saiam da prisão, da melhor maneira. E a oferta educacional, com esse fim, tem que atender a necessidades concretas, específicas das pessoas que estão privadas de liberdade. Tem que lhes permitir abrir os olhos para o mundo e para a vida e, especialmente, aprender ofícios, que possam ajudar a dignificar a própria vida. Neste momento, essa oferta, nas prisões, não tem esse fim, não está servindo para nada.

No caso das meninas, qual é o tipo de restrição que você verificou em seu trabalho? Há uma discriminação própria quanto ao estudo das meninas?

Dos adultos e jovens que não têm acesso à escola, mais de 60% são mulheres. Dos 100 milhões de meninos e meninas que não vão à escola, mais de 60% são meninas. Ou seja, há um problema de acesso de meninas, adolescentes e mulheres à educação. Por um lado, temos um grande problema; por outro, sabemos que as meninas, quando estão na escola, recebem um tipo de educação que fere sua dignidade. Elas recebem um tipo de educação que é sexista, cheia de estereótipos, elas devem enfrentar violência dentro das escolas e, como se isso fosse pouco, todo o processo educativo não é pensado para elas. Por exemplo, normalmente quando os professores fazem os estudantes participarem [das atividades em classe], segundo estudos etnográficos, os professores preferem as opiniões dos meninos. Esses mesmos professores disseram que têm mais rendimento trabalhando com os meninos que com as meninas. Nos livros de textos, as imagens das mulheres não somente são distorcidas como as meninas não se sentem identificadas com esses livros. Isso quer dizer que, além da questão do acesso, temos o problema com relação ao tipo de educação que se oferece, que não protege a dignidade das meninas. É um tipo de educação patriarcal e, apesar disso, as meninas costumam obter maior êxito que os meninos. Em todos os níveis. Para piorar, as meninas grávidas e as mães adolescentes são sistematicamente excluídas dos processos educativos – não em todos os países, pois cada vez há maior consciência. No entanto, as mães adolescentes têm que resolver o problema de cuidar de seus filhos, de seus bebês. E normalmente o pai também é adolescente, quando não um adulto que não tem responsabilidade de assumir o filho. Para agravar a situação, a maioria dos sistemas educacionais na América Latina não inclui uma educação para a sexualidade. E isso incrementa violações e abusos, devido à falta de conhecimento sobre temas elementares. São sistemas educacionais que continuam fortalecendo um tipo de masculinidade que rechaça a sensibilidade, a manifestação dos sentimentos e o compromisso que nós, os homens, temos de ter com a construção de uma cultura igualitária. Assim, tudo isso contribui para um efeito negativo especialmente para a mulher.

E a questão da violência nas escolas? É algo que se verifica também em países ricos, como os Estados Unidos, e que está no Brasil, numa cidade como São Paulo. Por que a escola é, muitas vezes, palco da violência?

A escola é um reflexo, um espelho, do que acontece na sociedade. Não se pode pensar em uma escola que não seja violenta em um contexto social que é essencialmente violento. E também não se pode pretender que a escola resolva o problema da violência na sociedade. Ela não pode resolver os problemas que os políticos não querem resolver. Pretende-se que a escola resolva tudo, que resolva o problema do meio ambiente, o problema da saúde, da saúde dental... Então é uma situação complicada. Esses conflitos têm origem social, econômica, cultural, e a educação pode contribuir, aliviar um pouco, mas não pode resolver definitivamente. A melhor maneira de lidar com o problema da violência intraescolar é tentando estabelecer um ambiente democrático, a experiência da liberdade na escola. No entanto, essa é uma tarefa bastante complicada, não se pode resolver facilmente.

Qual o papel da família, na sua opinião, dentro do mundo moderno da educação? Onde a família deve estar? Dentro dessa cadeia, digamos assim?

Todas as pessoas são sujeitos da educação. A família tem que estar incorporada aos processos de educação de seus filhos, mas também são sujeitos próprios nesse processo. Compartilhamos o próprio aprendizado. Os pais não vão à escola, mas isso não quer dizer que não aprendam com a experiência de seus filhos e com suas próprias experiências como pais e mães. O modelo de escola que temos é um modelo que segrega, é um modelo inadequado. Temos que pensar em um novo modelo de escola que esteja cada vez mais aberto às necessidades da família e da sociedade. Não podemos pretender resolver os problemas do mundo com esse sistema educacional que temos. É impossível. Temos que pensar em outro sistema escolar, que responda aos tempos de nossa era, que deixe de lado esse esquema utilitarista, quase mercantil, da escola tradicional. E a família deve repensar-se também, como um espaço de aprendizagem coletiva, com respeito às particularidades de cada pessoa. Temos que deixar de pensar em um pai que simplesmente castiga seu filho, sua filha, porque isso gera mais complicações. Temos que pensar em um pai e em uma mãe que se envolvam de outra maneira no processo educacional de seus filhos. E a escola em nossos dias não colabora com isso.

Você acredita que a escola hoje reflete muito mais um desejo do mercado, ou seja, de formar um profissional, e não formar um ser humano, numa visão humanista?

Sim, isso é correto. Muitas das tendências atuais veem a escola como um recurso para as necessidades dos empregadores, dos patrões. E ainda bem que as escolas formam profissionais! Mas a verdade é que muitos sistemas educacionais, muitos dos sistemas atuais, esperam que as escolas formem simples operários. Não digo que ser operário seja ruim, mas também não oferece oportunidades para que as pessoas possam continuar seu desenvolvimento profissional. Além disso, a finalidade da educação não é atender a necessidade do mercado e dos patrões. Mas sim fazer com que as pessoas possam construir conhecimentos que dignifiquem os seres humanos, que dignifiquem a vida. E creio que há uma grande falha, não acho que temos seguido pela trilha correta.

Você também demonstra uma preocupação com a educação dentro das comunidades historicamente excluídas. No caso do Brasil, nos últimos anos há a preocupação de resgatar a história dos negros dentro da educação. Qual a sua opinião sobre esse fenômeno, que também tem ocorrido em outros países?

O Brasil tem o problema do racismo. Segundo o instituto de estatísticas do Brasil [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE], o analfabetismo na população negra é muito maior que na população branca. A exclusão da população negra nas escolas é muito maior que a da branca; o sucesso escolar da população negra é menor, devido precisamente a toda a estigmatização que existe. Atualmente, o que se vê é que há um processo de reivindicação da população negra, que está lutando a favor de seus direitos, e me parece que isso normalmente deveria levar, no correr dos anos, a melhores condições de igualdade na população brasileira, que é uma população intercultural, em que a contribuição das pessoas de origem africana foi fundamental em praticamente todos os campos, na cultura, no esporte, na ciência, na literatura...

O que você acha das cotas para negros nas universidades?
Isso funciona perfeitamente. Isso é conhecido como uma ação afirmativa. Diante de uma situação de discriminação, o Estado, o governo, tem a obrigação de desenvolver ações afirmativas para que as pessoas que são historicamente discriminadas tenham oportunidades. Isso tem funcionado em muitíssimos países, e começou com as ações afirmativas para as mulheres, por exemplo, no mundo da política, para se garantir que ao menos 50% dos cargos elegíveis sejam para as mulheres. Porque havia todo um sistema que impedia as mulheres de terem acesso a posições de poder. O caso da população afrodescendente é igual. Houve um sistema que a oprimiu historicamente e agora se deve garantir que pelo menos um certo percentual, uma certa quantidade tenha a segurança de que terá uma vaga, uma cota.

Nos países que você visita, onde aconteceram essas ações afirmativas, os resultados foram positivos?

Muito. O caso da Malásia, por exemplo, onde há um componente social, que havia sido excluído historicamente e que, graças a esse tipo de ações afirmativas, conseguiu se recuperar. E agora esse componente social é dominante, por exemplo, é majoritário. Funciona.

Há quem argumente, no Brasil, que esse tipo de ação afirmativa poderia criar um conflito racial. O que você acha disso?

Parece-me que isso não é verdade. Ao contrário. Trata-se de fazer com que pessoas que estiveram numa situação inferior por muitos anos tenham poder. Parece-me que não tem nenhum fundamento essa crítica.

“A finalidade da educação não é atender a necessidade do mercado e dos patrões. Mas sim fazer com que as pessoas possam construir conhecimentos que dignifiquem os seres humanos, que dignifiquem a vida”

Portal Sesc SP / Revista E / Acessado em 10/02/2010 http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=366&Artigo_ID=5602&IDCategoria=6407&Reftype=2

Saldo Negativo - poema de Fernando Correia Pina



Dói muito mais arrancar um cabelo de um europeu
que amputar uma perna, a frio, de um africano.
Passa mais fome um francês com três refeições por dia
que um sudanês com um rato por semana.

É muito mais doente um alemão com gripe
que um indiano com lepra.

Sofre muito mais uma americana com caspa
que uma iraquiana sem leite para os filhos.

É mais perverso cancelar o cartão de crédito de um belga
que roubar o pão da boca de um tailandês.
É muito mais grave jogar um papel ao chão na Suíça
que queimar uma floresta inteira no Brasil.

É muito mais intolerável o xador de uma muçulmana
que o drama de mil desempregados em Espanha.

É mais obscena a falta de papel higiênico num lar sueco
que a de água potável em dez aldeias do Sudão.

É mais inconcebível a escassez de gasolina na Holanda
que a de insulina nas Honduras.
É mais revoltante um português sem celular
que um moçambicano sem livros para estudar.

É mais triste uma laranjeira seca num kibutz hebreu
que a demolição de um lar na Palestina.

Traumatiza mais a falta de uma Barbie de uma menina inglesa
que a visão do assassínio dos pais de um menino ugandês

e isto não são versos; isto são débitos
numa conta sem provisão do Ocidente.


A ONG PENSAMENTO CRÍTICO NO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL - 10 ANOS

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL LUTA PELA VISÃO CRÍTICA DA MÍDIA


Dentro do Fórum Social Mundial deste ano, uma das palestras que trouxe alguns pontos vitais de discussão em relação à comunicação e à liberdade de expressão, este último, direito fundamental do ser humano descrito em nossa Constituição Federal, foi aquela com o tema de “Comunicação e educação: capacitando a sociedade para uma leitura crítica da mídia”, coordenada pelo Sr. José Luiz Nascimento Sóter, com a participação dos painelistas Roseli Goffman, psicóloga e representante do Conselho Federal de Psicologia da Coordenação executiva do FNDC, Christa Berger, coordenadora do Programa de Pós- Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, e ainda Celso Schröder, coordenador-geral do FNDC, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas e presidente da Federação dos Jornalistas da América Latina e Caribe.

A primeira questão levantada, que nos remete ao supremo interesse financeiro da mídia, em particular da rede televisiva, ao selecionar sua programação, tem o importante papel de alertar às enormes quantidades de mensagens subliminares, assim como aquelas diretamente apresentadas, a que nos expomos todos os dias, sendo que aqueles provenientes dos mais excluídos nichos sociais são freqüentemente os mais afetados por estas representações exageradas e induzidoras da realidade, vez que encontram neste meio de comunicação da televisão uma maneira rápida e “divertida” de passar o tempo, sem a necessidade de grandes análises de sua atual situação e de seu meio social.

Ademais, os painelistas discutiram com intensidade a função exercida pela televisão e outros meios de comunicação na educação da infância e juventude, já que não é incomum que sejam estes instrumentos utilizados a fim de manter crianças e adolescentes seguros em casa, mormente quando é impossível a contratação de uma babá ou o permanecimento dos pais em casa. Com isso, torna-se um hábito que aqueles passem entre 4 e 5 horas diárias diante do aparelho de TV, recebendo interminantemente imagens falsas que transmitem, como não poderia deixar de ser, falsas verdades que incitam e definem a mente em formação.

Neste passo, resta claro que a população brasileira, dentro de todas as suas camadas sociais, tem afetação profunda da mídia e do que por esta é passado, sendo, por essa razão, determinante uma reflexão crítica norteando o conteúdo encontrado naquela.

Assim, é comum a exacerbação das cenas eróticas em novelas, a exposição constante do público à violência, descrevendo crimes e acontecimentos trágicos apenas para o aumento do ibope e ganho de renda em anúncios, e a genérica colocação do ideal consumista-burguês, a imposição de um controle social, reprimindo a luta de classes e sua conseqüente mobilidade e a apregoação da felicidade imediata, o carpe diem hedonista, todos estes fatores que influem para uma sociedade cada vez mais individualista, competitiva e cruel.

É preciso considerar, de fato, a relação de oferta e procura existente na disposição do conteúdo midiático, já que, como é a filosofia do mercado capitalista, não haverá a produção de certo bem de consumo, se não houver aquele que o compre. Vale, contudo, asseverar à possibilidade de que a mídia, nos moldes em que encontramos hoje, somente intensificou-se com a implementação do capitalismo e, por esta linha de pensamento, tem como vínculo de existência a própria venda deste sistema, sem o qual, inevitavelmente, perderia sua base e teria que ser intrinsecamente reformulada.

Foi em vista destas falhas estruturais e nas graves conseqüências das mesmas que estamos congregando em nosso seio social, que foram sugeridas algumas reformas na maneira de se definir o conteúdo repassado pelos meios de comunicação no Brasil. Os painelistas trouxeram algumas conclusões a respeito das possibilidades de realização deste “controle de qualidade” em nossa mídia, tais como:

  • O fim da publicidade na qual estejam crianças de até 12 anos, com o fim de permitir que estas desenvolvam primordialmente seu senso cidadão, anteriormente à aquisição dos valores capitalistas da competitividade e do consumo;
  • A não publicação de anúncios relacionados a bebidas alcoólicas, a fim de não influenciar crianças e jovens a sua ingestão, como hábito natural e positivo;
  • Impedir o enobrecimento do automóvel e do meio de transporte individual de maneira irreal, como forma de ascensão individual na sociedade, procurando arrefecer o sentimento interno de que a possibilidade de se ter um carro iguala-se ao sucesso pessoal;
  • Acabar com propagandas e mensagens em programas televisivos, de rádio, jornais e revistas, que induzam ao receptor aceitar que a sociedade é estática e o cidadão deve ser controlado, para que não aja indevidamente e quebre a chamada “ordem social” do capitalismo.

Se, à primeira vista, possam tais sugestões parecer um tanto “censuradoras” da já mencionada liberdade de expressão, vale verificarmos esta questão mais a fundo. Será que pode ser considerada censura a definição de conteúdos educativos e não manipulativos à nossa população? E mais, será que aqueles que fossem responsáveis pelo próprio “controle” não seriam corrompidos por grupos dominantes, violando, portanto, ao revés, a informação repassada? Ou já existe uma censura implícita na informação recebida, sempre atendendo a interesses ocultos de elites e poderosos?

Pois, não fazem mais do que 18 anos desde que teve o fim a ditadura, triste tempo durante o qual uma das armas do regime era, inegavelmente, a censura dos meios de comunicação, para que somente fossem publicados fatos que agradassem ao governo. Assim, inseriu-se em nossa Constituição Federal, como oposição à postura adotada até então, a cláusula que empodera o cidadão e lhe permite a livre declaração de suas vontades, reclamações e insatisfações, por meio do ditado de que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Ainda assim, bem como diversos outros mandamentos de nossa Carta Magna, apresentam beleza nas idéias e falhas na prática, já que é sabido que a vasta maioria dos meios de comunicação no Brasil, em particular daqueles com maior alcance, são monopolizados por pequeníssimos grupos de ricos e poderosos, variando-se entre governantes, líderes religiosos e empresas milionárias, algumas, inclusive, controladas por pessoas que abertamente apoiaram a ditadura.

Talvez, portanto, não baste uma tentativa de se melhorar o conteúdo apresentado em nossa mídia por meio de um controle externo e duvidoso da mesma, sendo necessária a verdadeira reviravolta no controle da mesma, possibilidade esta, entretanto, pouco possível de ocorrer.

É por mais essa razão que torna-se sobremaneira relevante a análise crítica destes veículos, sendo necessária, portanto, uma conscientização social desde os primeiros anos da infância, por meio da escola e de outros círculos pelos quais a criança passa, demonstrando ao ser humano, desde a mais tenra idade, como é simples identificar a manipulação e o abuso utilizada, por vezes, nos meios de comunicação, e o viés puramente mercadológico que estes vêm assumindo e como, afinal, devem ser interpretados por cada um de nós.

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL PROPÕE NOVAS DISCUSSÕES PARA UM NOVO MUNDO

As atividades do Fórum Social Mundial - 10 anos, tiveram início com um relato sobre os dez anos de trabalho do FSM, reforçando a necessidade de se repensar e superar a conjuntura cultural e política da luta pelo poder.

As discussões foram balizadas, neste sentido, por propostas em prol da construção de uma sociedade marcada pela solidariedade, pelo desenvolvimento sustentável, pela fortificação das redes e dos movimentos sociais, visando à consolidação de uma política autônoma em relação às grandes potencias, como os Estados Unidos e a China e de um mundo sem grandes disparidades sócio-econômicas como o atual.

Vislumbrando a ofensiva pelo fim da concentração de capital e monopólio dos direitos, proveniente de um neoliberalismo avassalador, um dos grandes desafios sugeridos pelos participantes foi a mudança na mentalidade social quanto ao consumismo extremo, tão incentivado e cultuado no capitalismo neoliberal.

Vivemos numa era de consumo excessivo por parte de cerca de 20% da população mundial e em contrapartida uma fatia considerável da população mundial vive abaixo da linha da pobreza extrema, sem condições financeiras para se alimentar diariamente, embora exista recursos suficientes para toda a população do planeta, como explica o professor Dr. Ladislau Dowbor: “Com o que produzimos atualmente dá para todos viverem de maneira digna e confortável, o problema é que são produzidas coisas desnecessárias”.

No que toca à educação, pudemos perceber o notório resgate que se fez na história da educação brasileira e os diversos relatos sobre experiências educacionais tais como ocorrido na palestra "Perspectivas e desafios da educação sob foco da gestão democrática" pelo secretário de Educação de Umbu das Artes, Pedro Pontual, quando falava sobre a experiência de educação popular, as quais ele denominou como o "maior laboratório de desenvolvimento de políticas públicas". Nessa mesma palestra ele também apontou a necessidade de se superarem as condições de desigualdades já existentes em nosso País e que a transformação só ocorrerá através do diálogo entre os homens.

Já na palestra “Educação Popular no Contexto Urbano: Luta pela Moradia”, alguns palestrantes questionaram o papel da mídia no contexto educacional apresentando a televisão como mero canal de consumismo exacerbado, apontando a falta de conhecimento cientifico e cultural com o desconhecimento e alienação. Nessa mesma palestra o ativista do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, também abordou o papel da mídia dizendo que a "televisão no mundo contemporâneo é a ratoeira para pegar pobre, assim ele não pensa". Essa palestra teve como público alvo, moradores locais e estudantes, tendo como palestrantes uma mescla de militantes do MST e representantes do Governo.

A discussão girou em torno da busca por uma educação de melhor qualidade, e de grandes louvores ao movimento sem terra, mesmo tendo este ações questionáveis nos últimos tempos tendo em vista tudo que esta sendo apresentado nas mídias.

As mudanças sócio-ambientais que estão ocorrendo no século XXI também foram debatidas nas mesas do FSM 2010. Atualmente os sistemas educativos estão formando pessoas para um mundo que não vai existir futuramente. Conviveremos com outras condições ambientais e sociais, desta forma além de repensarmos como estamos vivendo, quais são as escolhas que estamos fazendo hoje, qual o mundo que estamos deixando para os nossos filhos e netos também devemos refletir sobre a instrução ministrada em nossas escolas. Como fazer com que a escola privilegie conteúdos relacionados com as novas realidades sócio-economicas-ambientais? Esse foi um desafio lançado para os educadores presentes ao FSM 2010.

Ainda, tratando de questões educacionais enfatizou-se a relevância de termos nos nossos quadros de professores, profissionais menos lecionares e mais articuladores, comprometidos com a formação para cidadania, ou seja, tendo em vista que para formar cidadãos reflexivos, críticos, autônomos e atores de suas próprias vidas, é necessário que os docentes propiciem uma instrução revolucionária e emancipatória viabilizando a conscientização e a libertação das amarras sociais.

Para melhorar sua produção os professores precisam de incentivos, sendo indispensável que o Estado coloque em prática uma política de valorização dos professores, com melhores condições de trabalho, e práticas salariais dignas. Além disso, “precisamos de um PNE – Plano Nacional de Educação - que contemple investir no mínimo 10% do PIB em educação” como explicou a Educadora Neiva Lazzarotto. O Brasil, que está empenhado em tornar-se a 5ª economia do mundo não pode continuar como no 88º lugar quando falamos do índice de desenvolvimento da educação, atrás de países mais pobres como Honduras, Equador e Paraguai.

Na grande maioria das mesas do FSM foram contempladas as seguintes temáticas: o problema da enorme concentração de renda (com destaque para o Brasil, uma das nações mais desiguais do mundo), a desigualdade socioeconômica mundial, os déficits educacionais brasileiros quando comparados com outros países, em especial com países da América Latina, e como os movimentos populares podem ser a chave para mudanças nessa sociedade com tantas contradições e disparidades. Muitas falas foram marcadas pela perspectiva de uma possível superação da ideologia neoliberal a partir dos movimentos populares.

Por onde começar para que um outro mundo livre da dominação capitalista torne-se realidade? Quais são as propostas? Estas questões ficaram em aberto, há muito a ser pensado e debatido, poucas foram as certezas, porém alguns apontamentos surgiram, tais como: necessitamos urgentemente de maiores investimentos em educação de qualidade e não apenas na universalização do ensino público no país, o governo deve fornecer incentivos aos pequenos agricultores ao invés de simplesmente se vangloriar com os altos investimentos fornecidos ao agro-negócio, além disso, o Estado precisa formular políticas que estimulem as pequenas e as micro-empresas ao invés de privilegiar as grandes corporações.

 
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